sábado, 26 de junho de 2010

Tragédia Nordestina II



A Cidade Palmares/PE ficou inteiramente destruída pelas chuvas.
"Nunca tinha visto nada semelhante no Brasil"
Repórter do iG relata cenário que encontrou nas cidades de Alagoas e Pernambuco devastadas pelas chuvas. Mais de 50 morreram

O objetivo da viagem era cobrir o giro da candidata petista à presidência, Dilma Rousseff, pelas festas de São João de Caruaru (PE), Caruaru (PB) e João Pessoa (PB). Ver a candidata dançando quadrilha, forró etc. Enfim, cenas explícitas de campanha.
Mas logo na saída do aeroporto do Recife rumo a Caruaru, na segunda-feira à noite, apareceram os primeiros sinais de que os planos mudariam. No caminho, as rádios só falavam dos estragos causados pela chuva. Pelo rádio soube que não fora apenas uma “chuvinha”, mas uma espécie de tsunami de água doce que arrasou cidades inteiras ao longo de quatro grandes rios em Pernambuco e Alagoas.
Já em Caruaru veio a confirmação de que Dilma cancelara a visita à cidade. Sem candidata, o caminho ficou livre para a cobertura da tragédia nordestina. Às 6h do dia seguinte começou a preparação para a viagem até as áreas atingidas. Depois de uma série de telefonemas para a Polícia Rodoviária para saber a condição das estradas. A escolhida foi União dos Palmares, em Alagoas.
No caminho apareceram as primeiras cenas de destruição. Barrancos caídos na estrada e plantações arrastadas pela água. O centro da cidade estava intacto e o único sinal de anormalidade era a movimentação de pessoas, deixando entrever que algo estava errado. Um vigia da prefeitura se colocou à disposição para servir de guia.
Depois de cobrir muitas enchentes e outras catástrofes como terremoto, furacão e até uma guerra, concluí que nunca tinha visto nada semelhante no Brasil. Uma faixa de dois quilômetros nas duas margens do rio Mundaú coberta de barro e destroços. Era difícil imaginar que um dia houvesse existido um bairro ali. Das casas sobraram só as lajes. E as mortes não foram provocadas por desmoronamentos de terra, como acontece na maioria dos casos. Os mortos foram arrastados pela água.
Enquanto toda a imprensa estava na rua da Ponte, a mais destruída, o guia nos levou à rua da Cachoeira, na margem oposta do rio, onde um grupo de aproximadamente 30 pessoas estava isolado e sem qualquer apoio das autoridades. Eles remexiam a lama suja em busca de algo para comer. Lavavam os pacotes na água barrenta do rio e jogavam a comida com resquícios de lama na panela. Foi então que ouvi da desempregada Deise Andrade a frase que marcou a viagem: “Estamos comendo lama”.
Uma panela com um único pedaço de costela bovina, um prato de arroz e cinco espigas de milho era o almoço daquelas 30 pessoas. Mesmo assim eles ofereceram a quarta parte de uma espiga. Não houve como recusar.
O mais impressionante foi que durante todo o tempo que estivemos lá as pessoas pediam que anotássemos seus nomes como se a reportagem fosse um cadastro. Aquilo explicitava a falta total de assistência governamental para aquelas pessoas.
No dia seguinte, a ideia era irmos a Barreiros (PE) mas o Exército estava montando uma ponte provisória e a passagem foi bloqueada. Desviamos então para Catende, Palmares e Água Preta. Em Palmares, uma ponte de 120 metros construída há alguns meses para a duplicação da BR-101 havia sido arrastada pelo rio Una como se fosse uma pinguela.
Ao contrário do que havíamos visto na véspera, a água atingiu o centro das cidades danificando escolas, prédios públicos, postos de saúde e o hospital de Palmares, fazendo com que todos os habitantes e não só os moradores das áreas alagadas fossem afetados. As ruas eram de barro preto. O cheiro misturava carne podre e esgoto.
Durante a apuração de uma reportagem sobre o aumento dos preços no comércio local, o funcionário de um supermercado que havia triplicado o valor de produtos básicos nos ameaçou com uma barra de ferro.
Na quinta-feira o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou à cidade com nada menos do que oito ministros e anunciou a liberação de R$ 550 milhões. Depois que Lula saiu, voltamos aos desabrigados que tinhamos visitado na véspera e constatamos que pelo menos ali a situação havia melhorado um pouco, talvez como consequência indireta da visita presidencial. Afinal, em pouco mais de três meses teremos eleições e os flagelados também votam.
Durante toda a cobertura, no entanto, uma ideia não saía da cabeça. Duas das cidades atingidas fazem parte do imaginário popular de todo o povo brasileiro. Seus nomes frequentam há gerações as cartilhas e livros didáticos. Quem nunca ouviu falar, nos bancos da escola, dos quilombos? O mais famoso deles, o quilombo dos Palmares, ficava em União dos Palmares.
A outra é Catende, imortalizada por Manuel Bandeira em um dos versos mais populares da literatura brasileira: “Vou danado pra Catende, vou danado pra Catende, vou danado pra Catende com vontade de chegar”.
Foto: Útimo Segundo / IG
Texto/Fonte: Últimno Segundo / IG

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